terça-feira, 23 de agosto de 2011

Fernando Capez: minha Trajetória como “Concursando”


Procurador de Justiça que ingressou no Ministério Público em 08 de janeiro de 1988, atualmente licenciado do Parquet paulista para exercer o mandato de Deputado Estadual, Fernando Capez é o entrevistado do Jornal Carta Forense deste mês. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), Doutor pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) e renomado professor de Cursos Preparatórios para carreiras jurídicas, Capez nos contará detalhes interessantes de sua trajetória na área jurídica.

Como foi a sua infância?

Tive uma infância muito feliz, da qual guardo grandes recordações. Passava as férias de julho e do final de ano em Uberlândia, no Triângulo Mineiro com meus primos e me recordo de cada detalhe dos momentos mais marcantes e inesquecíveis, principalmente de 1970 a 1981. Fui também muito estudioso, na época conhecido como CDF, sentava na primeira cadeira da primeira fileira e sugava cada detalhe das aulas. Meu objetivo sempre era tirar boas notas, fechar todas as matérias em novembro e entrar em férias antecipadamente, para só voltar a pensar em estudo no mês de fevereiro. Na adolescência, mantive o ritmo. Talvez devesse ter aproveitado mais. A determinação com os estudos nessa fase me afastou um pouco daquelas coisas típicas da idade. Se pudesse voltar no tempo, teria sido menos racional dos 13 aos 18 anos.
Tenho enorme gratidão pelo sacrifício que meus pais fizeram. Permitiram que eu estudasse em um dos melhores e mais caros colégios de São Paulo, privando-se dos luxos normais que agradam a todas as pessoas, como roupas caras, restaurantes e viagens. O foco foi todo centrado na educação minha e de meus irmãos. A forma singela com que procurei retribuir foi no desempenho escolar. Para mim, era o mínimo que podia fazer.

Em que momento decidiu se enveredar pelos concursos públicos?

A escolha foi sendo feita por etapas e mediante critérios naturais. No colegial, aos 14 anos, tive que optar entre as áreas de Humanas, Exatas e Biológicas. Foi fácil. Adorava português, história, geografia, e não gostava de matemática, química e desenho geométrico. Comecei aí a fazer minha opção. Chegada a hora do vestibular, dentre os diversos ramos atinentes às Ciências Humanas, a escolha do Direito me pareceu tranqüila diante das possibilidades oferecidas pelo mercado de trabalho na área, bem como em razão de características pessoais e temperamento. Minha idéia inicial foi advogar. Estagiei em um escritório de advocacia de porte, do professor Buzaid, mas com 20 anos, então no terceiro ano do Curso de Direito, a escolha pela carreira pública foi tomada de modo irreversível. Ingressei por concurso como escrevente no extinto Tribunal de Alçada Criminal. Lá tive o privilégio de trabalhar no Setor Técnico de Pesquisas. Era pago para estudar e pesquisar doutrina e jurisprudência penal. Uma delícia. Acredito que foi um diferencial, sobretudo no campo do Direito Penal e Processual Penal. Devorava os livros e os Códigos. Estava obcecado na tarefa de me aprofundar no conhecimento jurídico. E ainda me pagavam para isso.

Quando iniciou seu preparo? Qual metodologia usou?

Você aprende e se acostuma a estudar desde cedo, mas nunca é tarde para começar. Treinei a memória desde os 7 anos de idade, quando estudava no Externato Macedo Vieira, no bairro da Aclimação. Impressionante como era forte o ritmo de ensino naquele colégio. Difícil se encontrar nos dias de hoje algo semelhante. Quem conheceu, sabe do que estou falando. A diretora, a temível Dona Filhinha era inflexível e a média exigida era acima de 9,0. Quando ingressei no Colégio São Luís, um dos melhores da época (e até hoje), achei tranqüilo, tal o nível de preparo exigido no primário. Nesse colégio, mantive o ritmo. Ingressei na USP, na faculdade do Largo de São Francisco, e continuei do mesmo jeito. Foi em 1987, no entanto, logo após concluir o Curso, que iniciei minha preparação específica para atingir o objetivo da aprovação no concurso. Selecionei o alvo: Concurso para Ministério Público do Estado de São Paulo. Estabeleci a estratégia de combate: Separar o programa específico para aquela carreira, escolher os livros e preparar o plano de estudo. Tomei a decisão: deveria ler 80 páginas por dia a partir de janeiro de 1987 até o dia em que fizesse a última prova da última fase daquele concurso. Foram milhares de páginas lidas e relidas. Estudava sentado, com régua e caneta, sublinhando os textos mais importantes e resumindo a idéia central de cada parágrafo com uma anotação sintética ao lado, no próprio livro. Livro de candidato tem que ser surrado, amassado, rasurado, de modo que só o seu dono o entenda. Livro limpinho e bonitinho não tá com nada.  Em junho de 1987, quando abriu o edital do concurso, já havia estudado o programa e comecei a revisá-lo. A aprovação em primeiro lugar não representava nada mais do que o resultado de uma estratégia preparada com racionalidade e executada com disciplina. Ninguém é mais inteligente, nem melhor do que ninguém. Basta acreditar e não desistir. Só não vence quem desiste. Quem insiste sempre vence, até mesmo na vaga do que desistiu.

Quanto tempo demorou para ser aprovado no primeiro concurso?

Exatamente onze meses e vinte dias. Sempre destaco nas minhas palestras que quando queremos algo, temos que lutar para que isto aconteça, mesmo que possa demorar um pouco. Sempre fui obstinado pela vitória. A minha realização profissional foi fruto de uma estratégia de longo prazo, iniciada desde os primeiros anos de vida. Estudar sempre. O estudo é o passaporte para a liberdade.

O Ministério Público sempre foi seu foco principal?

A partir do momento em que fiz a opção pela carreira, ela se tornou irreversível. Claro que o estudo do Direito Penal e Processual Penal aprofundado pelo trabalho no Tribunal de Alçada Criminal paulista reforçou minha inclinação pela carreira, cujo foco principal, ao lado das ações civis pública, é de titular exclusivo da ação penal pública. Lembro de casos interessantes em que atuei, como o da violência das torcidas organizadas de futebol em 1995, das ações por irregularidades nos serviços de coleta de lixo em 1999, e de um caso muito triste no tribunal do júri, do homícidio e estupro de três meninas em Ibaté, no interior de São Paulo.

O senhor sofreu alguma cobrança de familiares e amigos pelo resultado pretendido?

Quem nos cobra é a nossa consciência. O desejo de trazer felicidade àqueles que amamos. A alegria de ver os olhos mareados de quem dedicou a própria vida por nossa realização. Meu combustível, a força que sempre me propulsionou em todos os desafios, foi a vontade de premiar meus pais com a efetivação de seus sonhos. No fundo, é isso que conta. O amor, na sua forma mais pura, é o que nos move em direção aos nossos objetivos.

Depois de aprovado, como foi sua rotina de promotor de justiça recém empossado?

Após a aprovação, atuei em diversas cidades do interior. Cananéia, Descalvado, São Roque, Mogi das Cruzes. Durante 04 anos trabalhei no júri da Penha e Vila Mariana e por 12 anos na Promotoria de Justiça da Cidadania da Capital.  O Ministério Público é uma instituição vibrante e guerreira. Às vezes, há excessos, mas o balanço geral é muito positivo. Poucos órgãos públicos possuem a folha de relevantes serviços prestados à sociedade como o MP. Ele é a nossa paixão e o orgulho da sociedade brasileira.

Quais são as atividades que um promotor de justiça exerce? Como é a rotina profissional?

Quando se lida com as mazelas sociais, surgem os mais diversos desafios. A atuação independente, tecnicamente correta, corajosa, justa e equilibrada exige preparo jurídico e sólida formação moral por parte do Promotor de Justiça. Não se curvar a nenhum Poder que não seja o da própria consciência, arrostar os desafios, mas ao mesmo tempo não fazer da desgraça alheia pedestal para a própria vaidade compõem o conjunto de atributos de um autêntico servidor público. Ser firme, mas conservar-se humano, fazendo prevalecer a vontade objetiva da lei sem perder de vista que ela é apenas um meio de se atingir a justiça. Atuar com bom senso, ciente de que o gabinete da promotoria não é um oásis apartado da vida social, mas um órgão de interação com todos os agentes pulsantes da coletividade. O promotor de justiça é a autoridade pública encarregada da defesa do patrimônio público, cuja integralidade é necessária para atender às carências de uma sociedade desigual; da proteção do meio ambiente, de cuja preservação depende o futuro do nosso planeta, do consumidor, do deficiente, do menor e de tantos outros que dependem do Ministério Público para satisfazer sua fome e sede de justiça. O combate à criminalidade grave e organizada é outro desafio, o qual demanda estrutura própria e treinamento específico dos membros do Parquet. Tudo feito com equilíbrio e firmeza e sem personalismos. Quem brilha é a Instituição, orgulho e esperança da sociedade, mas o brilho não significa publicidade desnecessária e soberba, mas serenidade e ponderação. Nisso reside a grandeza do cargo.

Qual foi o momento mais engraçado ou curioso da sua carreira até agora?

A graça está na alegria de se fazer o que gosta. Sempre trabalhei de bom humor. Quando necessário, mostrei os dentes, mas nunca me permiti tornar uma pessoa amarga, auto-suficiente, soberba, orgulhosa. Quando isso ocorreu, foi por descuido. Mas felizmente, Deus nos faz lembrar sempre de nossa insignificância perante Sua dimensão infinita.

Algum momento triste?

Se existiu, já foi esquecido. Só tenho amigos no MP e imensa admiração pelo trabalho e pela história de vida de meus colegas. Aprendi muito com eles.

Quando um acadêmico ou bacharel toma a decisão de ingressar numa carreira pública, qual o primeiro passo a ser dado?

Olhar o programa, separar os livros necessários, estabelecer um plano de estudo e executá-lo de forma determinada, sem se afastar do planejamento inicial, a não ser em hipóteses excepcionais. Ser persistente. Não desistir. Não dramatizar. Não desanimar. Não se diminuir. Não se engrandecer. Não procurar demonstrar mais conhecimento do que possui. Mostrar menos conhecimento para não atrair a atenção. Não mudar toda hora de objetivo. Preparar-se com antecedência, sem imediatismos. Ter paciência. Ter fé. Para quem prossegue sem desânimo, a vitória é certa.
Deposite suas esperanças no estudo. Estudar vale a pena. Estudar traz informação. O estudo é o passaporte para a liberdade. A pessoa bem informada faz a diferença tanto nos concursos quanto no mercado de trabalho. O esforço pessoal é intransferível, ninguém poderá estudar por você. É a sua cota de sacrifício, mas também será a sua vitória. Repito: Você deve sempre persistir, não desista de seus objetivos. Mentalize: “estudar é bom; estudar liberta; estudar o faz diferente; estudar o faz importante para a sociedade, para os outros, para você.” Abra o livro agora, leia a primeira página e não pare mesmo quando bater o cansaço. Em pouco tempo, você se acostuma e não cansa mais. Vá em frente e não abandone sua estratégia de estudo. Seja feliz.


FONTE: Jornal Carta Forense - Edição de agosto de 2011

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